Jornalismo e greve: a importância da imprensa durante a crise na segurança

Foi o jornalismo profissional que se apresentou como norte na organização das informações

Por Rede Gazeta - atualizado em 15/03/2017 as 15:11

 Katilaine Chagas  e Vilmara Fernandes

Naquela manhã, dezenas de pessoas se aglomeravam em filas para abastecer seus carros. Pelas ruas circulava a informação de que os postos iriam fechar ao meio-dia porque os frentistas estavam com medo de trabalhar em decorrência da falta de policiamento. A divulgação dos fatos era creditada à Rádio CBN Vitória. Mas era boato. A editora executiva Fernanda Queiroz, âncora do programa, foi ao ar noticiar que as informações eram falsas. Na semana anterior, tinha acontecido o mesmo com a divulgação de um toque de recolher em Guaranhuns, Vila Velha, e que levara pânico aos moradores.

Guilherme Ferrari

Guilherme Ferrari

Redação Multimídia da Rede Gazeta em Vitória

Onda

Isso foi parte da onda de desinformação que marcou os momentos iniciais dos 22 dias de greve da Polícia Militar, no último mês de fevereiro. E que levou o caos às cidades, onde assaltos, furtos, vandalismo e mortes se acumulavam pelas ruas. A população, já refém da total de falta de segurança , viu-se sem saber no que acreditar.

Foi o jornalismo profissional que se apresentou como norte na organização das informações. Lançou mão da estrutura disponível naquele momento para levar as informações apuradas, checadas e confirmadas, para a população. “Essa é a importância do jornalismo profissional, com repórteres e editores qualificados para apurar as informações, questionar as autoridades públicas, os representantes dos grevistas e demais atores envolvidos”, pondera André Hees, editor-chefe de jornalismo impresso e on-line da Redação Multimídia da Rede Gazeta.

“Pareceu-me que as pessoas precisaram muito que os veículos de imprensa ordenassem o que era verdade e o que não era”, avalia o professor de Jornalismo Rodrigo Cerqueira, da UVV, acrescentando: “O papel do jornalismo é cada vez mais necessário num momento em que as fontes de informação se multiplicam”.

Momentos de muita tensão em que a própria Rede Gazeta acabou sendo alvo da atuação criminosa. Contra seu prédio foram disparados quatro tiros, como lembra o diretor de Jornalismo Abdo Chequer. Uma cobertura que contou com a atuação de repórteres de todas as áreas – esportes, cultura, política. “Todos se valeram do mesmo princípio a que já estão acostumados, o de apurar a verdade”, destaca.

Nem sempre foi possível estar em todos os lugares, principalmente quando eram coberturas de homicídios e em locais que já eram carentes de segurança e onde ela desapareceu por completo.

A imprensa, lembra a repórter da editoria de Polícia Mayra Bandeira, foi muito cobrada sobre as informações relativas aos homicídios. “E com razão. Queriam informações sobre as histórias por trás dessas mortes, para que elas não se transformassem apenas em estatísticas. Mas nem sempre foi possível ir ao local”, diz.

Ela esteve no Departamento Médico Legal (DML) e acompanhou a chegada dos corpos, na trágica segunda-feira em que 41 pessoas foram assassinadas.

Fernando Madeira

Fernando Madeira

Membros do Exército durante protesto de populares contra a paralisação da Polícia Militar em frente ao Quartel de Maruípe

Exclusivo

Uma explosão de homicídios que começou a ser denunciada por A GAZETA logo nos primeiros dias do movimento grevistas. Cobranças que também foram feitas em relação à ausência de policiamento nas ruas, quando os militares começaram a retornar ao trabalho.

Nossas equipes conseguiram ainda antecipar muitas informações para a população, disponibilizadas em tempo real. Foi o que ocorreu com a publicação da primeira lista dos policiais punidos por sua participação no aquartelamento. Um dia antes do anúncio já havíamos divulgado, com exclusividade, a informação de que haveria punição.

Em muitas situações foi necessário orientar a população, mostrando, por exemplo, que era falsa a manifestação que iria “parar o Espírito Santo” na sexta-feira de carnaval. Os próprios sindicatos citados nos panfletos, ouvidos pela reportagem, negaram sua participação.

Alerta

Ao vivo, a editora e âncora do CBN Vitória, Fernanda Queiroz, chegou a fazer um alerta: “As informações verdadeiras, quando divulgadas na CBN, vão ser compartilhadas ainda em todos os veículos da rede. Olhem o nosso site, as nossas redes sociais. Tudo o que divulgamos tem no nosso selo: checagem, apuração e comprometimento com a verdade. Confira as informações antes de repassá-las.”

Fernanda observa que as redes sociais e os aplicativos de mensagens são de grande importância inclusive para os veículos de comunicação. “Precisamos chegar aos nossos ouvintes, de todas as formas”, pondera. Mas, ressalta, “até nas redes sociais particulares, é preciso fazer uma checagem mínima antes de repassar as informações”, assinala.

E as dificuldades são ainda maiores, observa o diretor-geral da Rede Gazeta, Café Lindenberg, porque atualmente é fácil produzir uma notícia falsa, com ares de verdade, e imputar a uma fonte de credibilidade. E que acaba sendo incentivada pelo próprio modelo de negócio das empresas responsáveis pelos aplicativos e redes sociais.

Quanto mais divulgação, melhor. “Não há preocupação, como o jornalismo técnico, profissional, possui, de checar e apurar a veracidade das informações, que são apenas divulgadas.” Mas já há pressão social, acrescenta Café, no sentido de que, ou se referenda o jornalismo técnico, ou se criem regras para evitar a circulação de informações falsas.

Futuro

Hoje os esforços são para manter a cobertura das consequências desse episódio, que trouxe para o Estado 3.456 homens da Forças Nacional e Armadas. Foram eles que garantiram a segurança durante a paralisação. Parte dessa tropa já foi embora e os últimos vão até o dia 27 de março.

Permanece ainda o acompanhamento das punições – mais de 2.500 respondem a inquéritos policiais militares, e mais de 500 a processos administrativos que podem levar à demissão. E das centenas de crimes cometidos, incluindo os mais de 200 assassinatos.

“Não sabíamos o quanto se estenderia”

“Estava de plantão no primeiro domingo de paralisação. Desde cedo, inúmeras notícias de homicídios, roubos e saques às lojas começaram a surgir, exigindo que nos deslocássemos a todo momento. Uma fila de vítimas se formou na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, enquanto na Delegacia de Homicídios, ocorrências não paravam de chegar. Naquele dia, não sabíamos ainda o quanto a crise se estenderia.”

Maíra Mendonça – repórter da editoria de Cidades

“Sensação de que nada voltaria”

“Por vários dias, era um deserto, que só víamos em filmes de terror. A sensação era de que nada voltaria ao normal. Ninguém pensou, no primeiro dia, que o movimento alcançaria a proporção a que chegou. Fica a experiência profissional de lidar com esse tipo de cobertura. Levamos todas as informações em tempo real para quem estava angustiado esperando para voltar à vida normal.”

Kaique Dias – Repórter da CBN Vitória

“Vimos corpos espalhados pelo chão”

“Houve dificuldade para falar com as mulheres dos militares, que em diversos momentos se recusaram a conversar com a imprensa. Outra foi conseguir identificar as lideranças. Além da insegurança na rua, ainda convivemos com histórias de quem foi vítima de violência. No DML, vimos corpos espalhados pelo chão e ouvimos histórias de pessoas que aguardavam até quatro dias para conseguir identificar o corpo do familiar.”

Diony Silva – Repórter da CBN Vitória

“Queriam uma cobertura unilateral”

“Presenciei duas perspectivas. Como cidadão, sensação de estado de sítio, a falta de segurança efetivada pela greve não assumida pelo movimento dos militares. E teve também a intolerância por parte dos policiais militares contra as outras empresas de comunicação, mas mais claramente contra a nossa. Todo policial militar e todo familiar deles se colocavam agressivamente contra a nossa presença. Queriam cobertura unilateral.”

Marcelo Prest – Fotógrafo de A GAZETA

“Um deles me apontou o dedo”

“Estava fazendo a cobertura do embate entre familiares de policiais militares e alguns PMs à paisana e moradores da região que não concordavam com a paralisação da classe, em frente ao Batalhão de Maruípe, em Vitória. Assustador. Fui cercado por quatro homens; foi quando um deles me apontou o dedo no rosto e perguntou aos gritos: ‘Você trabalha em qual empresa? Sai fora daqui, imprensa suja’.”

André Rodrigues – Repórter da Editoria de Esportes

“Tinha medo até da minha sombra”

“O estresse começava antes mesmo de sair de casa. Entrava no serviço de madrugada, ia para as ruas desertas ainda no escuro e tinha medo até da minha sombra. Com o passar dos dias, a tensão só aumentava. O pior momento foi quando vi homens armados, com coletes à prova de balas, se posicionando para um possível confronto, bem na minha frente. Aquele dia tive vontade de chorar. Mas sempre me segurei.”

Gabriela Ribeti – Repórter da TV GAZETA

“Tinha várias pessoas morrendo”

“A maior angústia era saber que no meio de tanto caos tinha várias vidas e pessoas morrendo, que, no final, resumiam-se a contagem de números. O que mais me chocou foi chegar ao DML de Vitória e saber que estavam fazendo mutirão para reconhecer os corpos. Tinha uma quantidade enorme de gente morrendo. Eram os jovens negros, pobres, de periferia.”

Patrik Camporez – Repórter da editoria de economia

“Nós fomos ameaçados”

“Nem cobrir os protestos (em 2013) foi tão apavorante como essa cobertura. A gente não sabia o que poderia acontecer, não só em relação aos bandidos, mas também com a reação da própria polícia. Uma mulher policial falou em bater na Gabi (Gabriela Ribeti, repórter) no quartel. Nós fomos ameaçados por policiais militares. Está tenso o clima? Está, mas vamos continuar mostrando os fatos.”

Fernando Estevão – Cinegrafista da TV GAZETA

“Sobrevivemos à violência”

“Este deve ser um consenso entre os jornalistas que cobriram a crise de segurança no Espírito Santo: sobrevivemos à violência e ao cansaço. Tão assustados quanto os demais cidadãos, estivemos nas ruas, nas portas dos batalhões da Polícia Militar, no Departamento Médico Legal e, claro, sempre nas redações. Foi necessário um esforço muito além do habitual para garantir que houvesse notícia.”

Manoela Albuquerque – Repórter do G1

Nos 22 dias de greve dos policiais militares, o número de visualizações no Gazeta Online, no mês de fevereiro, triplicou em relação à média mensal, chegando a 60 milhões de page views. Foi o resultado, avalia o editor executivo digital Aglisson de Souza Lopes de um esforço conjunto de diversos profissionais. “O objetivo era levar o maior número de informações em um momento tão delicado como o que atravessamos”.

Já na Rádio CBN Vitória, relata a editora Fernanda Queiroz, no mês de fevereiro, o crescimento foi de 23%, de acordo com o Ibope.

Conteúdo

No caso do Gazeta Online, o caráter multimídia foi reforçado com a participação de profissionais de jornalismo impresso, rádios e TV. Trata-se de uma das vantagens da internet: possibilitar a transmissão de conteúdo variado aproveitando texto, foto, vídeo e áudio. “E contamos ainda com grande participação dos internautas na cobertura, com milhares de colaborações em vídeo, fotos e informações variadas”, relata Lopes.

Em um momento de grande circulação de informações via redes sociais e aplicativos, o grande desafio, lembra Lopes, foi manter a calma e praticar o verbo essencial do jornalismo: checar. “Muitas vezes fomos criticados por internautas por ainda não divulgar algo que já circulava pelos grupos de WhatsApp, por exemplo. Mas não nos incomodamos com isso. Estávamos checando, apurando, em busca da notícia correta. E creio que é por esse motivo que ainda confiam no jornalismo, mesmo com tanta informação circulando. Os números mostram isso.”

Divulgação

Divulgação

Philipe Lemos e Rafaela Marquezini no ESTV 1ª Edição

TV

Na primeira semana do movimento, quando os crimes atingiram os maiores picos, o número de pessoas acompanhando a TV Gazeta dobrou, superando 30 pontos de audiência. “A população estava ansiosa para saber o que acontecia. A nossa liderança na audiência foi um reflexo da nossa presença nas ruas, e de uma confiança que só aumentou, por meio de um trabalho incansável, crítico e corajoso, onde tudo é apurado à exaustão!”, assinala o editor-chefe da TV Gazeta, André Junqueira.

As reportagens produzidas pela TV Gazeta estiveram presentes em todos os telejornais locais e nacionais. O dia começava com entradas, ao vivo, no Hora 1 (às 5h), seguindo no Bom Dia Brasil, no Jornal Hoje, no Jornal Nacional e no Jornal da Globo. “Dá orgulho saber que a população reconheceu, o que aumenta a nossa responsabilidade. A prática do bom jornalismo é um dever que devemos reforçar diariamente”, assinala Junqueira.

“A população viu nos meios convencionais um meio de validar as informações que circulavam. Isso para o jornalismo é boa notícia”, avalia Fabiano Mazzini, professor do curso de Jornalismo da Faesa.

“Nada substitui o repórter na rua” – André Hees, editor-chefe da redação integrada

Em momentos como a greve da PM, fica mais evidente a importância do jornalismo profissional. Não é possível se manter informado somente pelas redes sociais, onde há muito ruído. Por isso cresceu a audiência dos veículos da Rede Gazeta: o jornalismo é uma referência para a sociedade entender o que está acontecendo realmente. Jornalistas são preparados para checar as informações, ouvir todos os lados. Se o governo diz que a polícia está na rua, nossos profissionais vão às ruas verificar. E verificamos falhas no policiamento, moradores da periferia dizendo que nem a polícia nem as forças nacionais estavam lá; ouvimos a população amedrontada, os comerciantes vítimas de saques. Apuramos o prejuízo na economia estadual. Demos nome e sobrenome das vítimas de homicídio, mostrando que a tragédia não é mera estatística. Demos em primeira mão informações importantes, como a primeira lista com os 150 policiais processados e a decisão de reformar a PM. Penso que fizemos uma cobertura abrangente, crítica, ouvindo todos os lados envolvidos. Acredito que prestamos um serviço relevante para a sociedade, num momento dramático. As redes sociais são uma ferramenta útil, inclusive para a transmissão de dados e o processo de apuração. Mas não é possível acompanhar uma crise dessas somente por WhatsApp ou Facebook. Nada substitui o repórter na rua.

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