Com a atenção da população voltada para a aprovação de uma vacina contra o novo coronavírus (Covid-19), há muitas dúvidas que permeiam o assunto.
Em fase avançada de testes, a expectativa de aprovação da CoronaVac, vacina que está sendo desenvolvida no Instituto Butantan, em São Paulo, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, reacendeu uma antiga discussão sobre a obrigatoriedade da vacinação. A questão ameaça dividir os brasileiros antes mesmo da aprovação do imunizante, além de ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Declarações de João Doria, governador de São Paulo, anunciando a obrigatoriedade da vacina, quando aprovada. Por outro lado, no mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro se pronunciou dizendo que a vacina será oferecida pelo Ministério da Saúde, mas “sem impor ou tornar a vacina obrigatória”.
AÇÃO NA JUSTIÇA
No estado paulista, um casal entrou com ação na justiça para que o filho não seja vacinado e, ainda este ano, o caso será julgado no Supremo Tribunal Federal (STF). Os pais contestam “tratamentos médicos invasivos”, baseados em sua filosofia de vida. A decisão da Suprema Corte pode abrir precedentes para que outras pessoas que se recusem a se submeter à vacinação recorram ao judiciário.
Especialistas jurídicos entendem que o impasse sobre a vacina já foi visto outras vezes. A doutora em bioética, pós-doutora em saúde coletiva e coordenadora do doutorado em Direito da FDV, Elda Bussinguer, relembra o caso da Revolta da Vacina, ocorrido em 1904, como uma questão juridicamente resolvida.
“O Ministério da Saúde tem o poder de definir quais vacinas serão obrigatórias no país, respaldado pelo Programa Nacional de Imunizações, que é uma lei. Há que se cuidar para que o direito brasileiro não seja desautorizado a todo momento para não colocar a sociedade em uma situação de instabilidade”, pondera Bussinguer.
O advogado e professor de direito constitucional Caleb Salomão concorda que essa discussão sobre vacina não é de agora. “Existem comunidades em nosso país que, há muito tempo, se revoltam contra a exigência legal de submeter seus filhos aos protocolos de biossegurança, por isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad) trouxe essa previsão de obrigatoriedade de vacinação”, explica.
Salomão entende que envolver o STF para tais casos não é positivo para o país, já que, segundo ele, existe uma legislação consolidada sobre o assunto, e, ainda, uma obrigação recentemente reforçada pelo atual presidente sobre a possibilidade da vacina compulsória como medida de combate à pandemia, da Lei 13.979, assinada em fevereiro desde ano. “Os tribunais brasileiros reconhecem o direito coletivo, e, mesmo com toda essa discussão, acredito que a saúde coletiva será priorizada”, pontua.
“Apesar de ter amparo legal, ninguém será obrigado a ser vacinado à força. Há soluções, que deverão ser pensadas, para sancionar o cidadão que não cumpriu com sua obrigação prevista em lei de imunizar a si mesmo e a sua família, como a exemplo de outros países: não ter acesso a crédito ou financiamento público, à matrícula em instituição de ensino pública, entre outras possibilidades”, conclui o professor.
Indagada sobre um possível crescimento da discussão da obrigatoriedade da vacina na esfera judicial, Dra. Bussinguer acrescenta: “Com essa polarização surgindo, podemos até ter um aumento de ações no STF, nesse sentido. Mas, ainda que eu não possa afirmar, acredito que o tribunal irá manter a supremacia do interesse público e coletivo, pois é uma obrigação dele e, assim sendo, não pode ir contra a saúde pública”.
BENEFÍCIOS DA VACINA
O médico infectologista Lauro Ferreira Pinto Neto alertou que estamos em meio a um período de aumento dos casos entre jovens que se cansaram do confinamento e resolveram não seguir mais os protocolos de segurança, além dos casos confirmados de reinfecção. “Precisamos da vacina porque ainda tem gente morrendo. Temos que melhorar a imunização das pessoas para que elas parem de adoecer”, aponta o médico.
Segundo o especialista, a vacinação contribui para a saúde pública por ser uma ferramenta de bloqueio da disseminação da Covid-19 entre a população. “Vacinar é um ato de proteção individual, mas, sobretudo, é um ato solidário. Ao tomar a vacina, protegemos o outro e o vírus tem mais dificuldade de circular, gerando o efeito que chamamos de imunidade rebanho”, pontua.
O médico acrescenta que, quanto mais pessoas imunizadas com a vacina, menor será o gasto dos cofres públicos.
“Um estudo do Banco Mundial diz que a vacina é um grande investimento, pois gera economia para o país. É um custo efetivo, já que, prevenindo a doença, evita-se o gasto com internação, tratamento médico, medicação e, ainda, evita a queda de produtividade da empresa pela falta de um funcionário doente”, conclui.
Na opinião do médico infectologista Carlos Urbano, o melhor caminho é conscientizar a população da importância da vacina. “É fundamental que este seja o único discurso: que o risco da vacina é mínimo comparado ao risco da doença”, defende.
“Não discuto a origem de vacina. Se ela for boa, segura e aprovada pela Organização Mundial da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), recomendo que toda a população tome. Eu serei o primeiro da fila”, pontua Urbano.