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“É extremamente angustiante trabalhar desse jeito”: desabafa professora da rede pública

Falta de infraestrutura para o ensino a distância e despreparo das famílias para mediar a realização de atividades são dificuldades vividas pela professora Luciene Machado

Falta de qualificação profissional, ausência de infraestrutura para o ensino a distância e despreparo das famílias para mediar a realização de atividades são algumas das dificuldades vividas nos últimos seis meses pela professora capixaba Luciene Machado

“Um ano inválido”. É assim que Luciene Machado, de 36 anos, define 2020. A professora efetiva da Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV) se dedica à alfabetização de crianças há 13 anos. Pela manhã, em escola de ensino fundamental para as turmas do 1º e 2º ano – e, à tarde, em escola de educação infantil – entre 2 e 5 anos – em diferentes bairros do município canela-verde. Assim era a sua rotina até o mês de março, quando as aulas presenciais no Espírito Santo foram suspensas devido à pandemia do novo coronavírus. Em um bate-papo virtual de mais de uma hora, a professora abriu o coração para a equipe de reportagem da Residência em Jornalismo da Rede Gazeta 2020.

Luciene Machado é professora e teve a rotina totalmente impactada com a pandemia

A vida, que já era corrida, ficou caótica quando começou, em abril, a trabalhar na modalidade home office – isto é, de sua casa. Segundo a educadora, “o trabalho quadruplicou e o resultado diminuiu”. Luciene se viu na mesma realidade que professores do restante do país e do mundo: de ter que se reinventar para garantir que seus alunos continuassem tendo acesso à educação, ainda que a distância. Ela começou a produzir e a publicar conteúdos no site “Conectados da Vila”, criado durante o período de pandemia e gerenciado pela Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha (Semed). Também passou a enviar vídeos explicativos para os pais dos alunos em grupos criados no aplicativo de mensagens Whatsapp.

“O trabalho quadruplicou e o resultado diminuiu”, afirma a educadora

A docente explica que, a cada semana, os responsáveis pelas crianças devem enviar fotos das atividades feitas para que possa compilar em um portfólio, que depois é encaminhado para a Semed, juntamente com uma tabela e um relatório, especificando os alunos que cumpriram as tarefas. “Não é mais só entre o professor e a criança. Agora o trabalho é entre o professor, a criança, a família, a pedagoga, os outros professores, a secretaria… Muitas atividades que levo dias para preparar nem chegam a ser contempladas para o site e se perdem. É muito trabalho para pouco resultado”, lamenta.

Além de todo o desgaste com a complexidade do novo formato de planejamento pedagógico, a professora tenta se adaptar à realidade precária das famílias, que nem sempre conseguem dar o suporte adequado às crianças. Muitas vezes, segundo ela, o envolvimento dos alunos nas atividades fica prejudicado pela falta de tempo e de preparo de muitos pais e responsáveis.

“A realidade não ajuda. Sei de famílias que não têm acesso à internet ou que o celular não suporta os vídeos e as atividade online. Quando demos aulas no Google Meet [ferramenta do Google para videochamadas], muitas crianças não participaram porque seus pais estão trabalhando e elas ficam com os avós que não sabem utilizar esses recursos tecnológicos. Mas, também sei de famílias que não se preocupam em mandar as atividades de volta. Infelizmente, muitos pais não se importam com a educação deles”, afirma a educadora.

“Nós estamos trabalhando muito mais do que antes: à noite, aos finais de semana… Lançamos uma atividade pela manhã, mas os pais chegam do trabalho à noite. Eles têm muitas dificuldades. Tenho aluno que a mãe teve bebê durante a pandemia e precisa conciliar os cuidados com o recém-nascido com as atividades do filho”, conta.

Durante esses meses de ensino a distância, Luciene percebeu que em suas turmas do ensino fundamental, o retorno e a participação dos responsáveis é melhor que com as turmas da educação infantil. “Eu consigo perceber a gratidão de muitos pais que veem o nosso esforço e disponibilidade de atender em qualquer dia e a qualquer hora. Mas os pais do ensino infantil não estão muito preocupados. Nossa cultura, infelizmente, é não valorizar essa etapa da vida escolar, que muitos acham que a criança vai à escola só para brincar. Isso não é verdade!”, exclama.

“A gente inicia o processo de alfabetização com elas, cria inúmeros tipos de atividades, como pinturas, homenagens, vídeos e oficinas. Mas, de 25 crianças, não temos retorno nem de dez. É triste encontrar esses pais na rua e perceber que eles não se importam… A orientação que nós, professores, recebemos é de incentivá-los a participar e a envolver seus filhos nas atividades propostas”, completa.

EXAUSTÃO EMOCIONAL

Toda essa situação inédita e inesperada para toda a população, todas as classes, em todos os lugares do país, e fora dele, exige resiliência e flexibilidade. Mas, especificamente para os professores a pressão sentida é enorme. “Estamos muito estressados. Temos que dar conta de muita coisa nova, me sinto sobrecarregada. Eu percebi que fiquei mais nervosa, me irrito sem necessidade. É muita pressão de pai, professor e diretor mandando mensagem ou cobrando alguma coisa. É extremamente angustiante trabalhar desse jeito: sem infraestrutura, sem preparo, sem as condições adequadas…”, explica Luciene.

“Minha família tem sentido isso. No fim de semana, eu me policio para não pegar o celular e dar atenção ao meu filho e à minha mãe. Mas, se eu vir uma notificação no meu Whatsapp, que é pessoal, e for demanda de trabalho, acabo focando em resolver”, diz.

No início da pandemia, a educadora ficou assustada com as notícias sobre os grupos de risco do novo coronavírus. “Minha mãe é hipertensa, com histórico de dois infartos, e meu filho tem asma. No início, ficamos isolados, mas, depois, esporadicamente precisei ir às duas escolas deixar material didático para as famílias, pegar algum material de trabalho, coisas assim. Eu e minha mãe chegamos a ter sintomas gripais suspeitos, mas apesar de termos feito o teste, não conseguiram nos explicar se tivemos ou não contato com a Covid-19”.

FALTA DE QUALIFICAÇÃO

Um dos principais desafios enfrentados pelos professores, segundo Luciene, é a falta de infraestrutura para o ensino a distância e, também, a inexperiência em lidar com as ferramentas tecnológicas. “Eu tenho um celular bastante usado e um notebook. No início do trabalho remoto, meu celular deu uma pane e perdi arquivos e várias conversas com os pais dos meus alunos”, conta.

“Além disso, preciso dividir o uso do notebook com o meu filho, que tem aulas online. Às vezes, preciso usar o celular da minha mãe, porque o meu Whatsapp sobrecarrega e trava toda a minha galeria e meus aplicativos. Não posso apagar as fotos dos alunos, porque preciso comprovar tudo o que faço”, completa.

Antes desta situação, a professora não não tinha o hábito de fazer vídeos, então precisou aprender. Por conta própria, também se empenhou para fazer uso de pelo menos um aplicativo de celular para edição de vídeo.

No mês de agosto, a PMVV chegou a dar um curso de formação online aos professores para lidar com as ferramentas do Google, mas, para Luciene a medida foi superficial e chegou tarde. “Imagine só como tirar uma dúvida em uma videoconferência com 70 pessoas? Eu tive sorte de ter uma noção básica e algum equipamento, mas muitos dos meus colegas pegaram notebook emprestado ou compraram sem ter condições para isso. Fomos trabalhando de acordo com as possibilidades, mas, para dar aula online precisávamos ter feito um curso antes e ter uma plataforma para isso”, pondera.

“O professor precisa conhecer as ferramentas tecnológicas para preparar melhor as suas aulas. E agora, com a pandemia esse ensino é válido, mas não é eficaz. Deveria ter acontecido antes”, pontua.

Professora Luciene Machado durante atividade com seus alunos antes da pandemia

RETOMADA DAS AULAS PRESENCIAIS

Indagada sobre o futuro de seus alunos, Luciene teme pelo pior: o déficit de conhecimento. “Explicar por vídeo não é o mesmo que estar ao lado da criança, pegar na mão dela. Da forma que estamos trabalhando, a realização é mínima. A gente não fica satisfeito. Sabemos que nosso trabalho não está sendo feito com a melhor qualidade”.

O retorno das aulas das escolas municipais de Vila Velha ainda não foi liberado, mas, segundo a docente, as escolas estão sendo preparadas para receber os alunos em 2021. Avaliando as demandas e informações que estão chegando para os professores da rede, ela acredita que o próximo ano deve ser de ensino híbrido – de forma presencial e online.

“Os professores têm medo de como será esse retorno, principalmente na educação infantil. Não abraçar, não beijar, usar máscara é complicado com crianças tão pequenas… As crianças nem se lembram mais de nós, professores. Eu tenho medo de 2021. O que essas crianças aprenderam em 2020? Teremos que revisar o conteúdo de um ano… Este foi um ano inválido”, lamenta.

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