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Enquanto a cidade descansa, por volta de 4h, André calça o tênis para seguir rumo ao calçadão se exercitar. Na orla fica o Quiosque 24h que Luciana gerencia. Carlos está ali para abastecer, de comidas ou bebidas, sua mochila de delivery. Nas madrugadas de fim de semana, Leandro e Taiani trabalham como vigilantes nas casas noturnas onde Renan busca os passageiros para levar para casa. Se precisar de um remédio durante as altas horas, José Carlos está de pé para atender. Ali perto, Lucas e Maykon cumprem plantão até a chegada do Rei Sol.

Enquanto a cidade dorme

O sol vai se pondo. Diferentemente do resto da cidade, que encara o trânsito da volta pra casa, os seres noturnos estão fazendo o caminho contrário.

Israel Magioni 

Karolyne Bertordo

Taisa Vargas

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Enquanto a maioria dos capixabas descansa em casa, uma parte inicia sua jornada. Entre eles há atletas, profissionais que garantem a segurança, a diversão, a saúde e a saciedade – até porque a vontade de comer não escolhe hora para aparecer.

Praticar atividade física no calçadão há 30 anos mais do que requer disposição, exige disciplina. Um grupo de atletas que faz parte do desenho das madrugadas da Praia da Costa há 30 anos prova isso, em meio a reconhecimento e brincadeiras por parte de quem os avista. Dizem que eles são como insetos que nunca descansam, os Insetos da Madrugada.

Ali na beira da praia, e cúmplice de altas horas, fica o quiosque de onde Luciana comanda a diversão de turistas e praieiros nos últimos 24 anos. Conhecida até pelo público estrangeiro, a quiosqueira não pretende parar, afinal, nem a pandemia a fez ficar em casa. 

Para aqueles notívagos da Praia da Costa que são mais caseiros, quando bate a fome, o resgate vem na garupa de Carlos. Ele leva a comida e a bebida em sua bicicleta a qualquer hora da noite.

Para garantir a segurança da diversão do público, o Leandro e a Taiani estão a postos. Enquanto os festeiros usam as noites para se divertir, eles garantem que tudo ocorra sem qualquer problema. E quando o sol nasce é hora de… estudar!

De jornada dupla, o Renan entende bem. Técnico mecânico durante o dia, à noite se mistura às curvas da Grande Vitória levando, em seu carro, os passageiros para seus destinos.

Caso alguém precise de um remédio durante a madrugada, o José Carlos está em seu horário comercial para atender por detrás da porta de vidro da farmácia 24h bem na Praça do Centro de Vila Velha. Ele gosta da pouca movimentação no ritmo noturno, apesar disso, de dia, a cama é a principal companheira. 

Quem não prefere muito a rotina noturna é o Lucas que, dependendo da escala, cobre o turno como auxiliar de inspeções de área portuária. Para ele, trabalhar à noite aumenta a ansiedade e o faz comer mais. No entanto, revela que uma grata recompensa é ver o sol nascer.

Infelizmente, o Maykon, que também trabalha durante a noite, nem percebe mais o espetáculo do nascimento do dia. O cansaço é tanto na hora de ir embora que o auditor noturno pensa apenas em chegar em casa e descansar. 

Enquanto isso, o Rei nasce majestoso no horizonte para os que começam o dia. A esses atores noturnos, o astro celeste, a lua já se repousou, e é hora de virar a chave e partir para outra rotina ou descansar sob a luz do sol.

ANDRÉ, O INSETO DA MADRUGADA

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Insetos da Madrugada: André, Teixeira, Stoben, Chaia e Serjão.

Ainda nem amanheceu na Praia da Costa e o café preto fresquinho já recebe André, engenheiro mecânico de 59 anos, a um novo dia. É por volta das 4h30, hora de calçar o tênis e partir para a tradicional caminhada no calçadão ao som das ondas. Nesse horário, explica, é possível sentir o amanhecer e se conectar à natureza sem os ruídos disruptivos da cidade diurna.

Aos poucos, vai se ouvindo um zum-zum-zum de passos compassados e bons dias. Os amigos do André vão se unindo à caminhada, cada um em um ponto da praia, numa sincronia que só a tradição proporciona. Já tem 30 anos que o grupo se reúne diariamente para dar duas voltas do Libanês à Bervely Hills, papeando e se exercitando, celebrando o dia.

André Fernandes de Oliveira carrega com honra a alcunha de co-fundador do grupo Insetos da Madrugada, nome que os atletas receberam pelo andar rápido em ritmo de marcha atlética e pelo papo descontraído que emitem em conjunto. Ele conta que, em prol da segurança, se uniu a Helder, Teixeira e Stoben no recrutamento de outros atletas solo da caminhada. 

“Eu via o Helder caminhando sozinho enquanto eu também caminhava sozinho, por isso o convidei para andarmos juntos. Ele via sempre o Teixeira andando e o chamou pra nos acompanhar, a mesma coisa com o Stoben. Com isso os outros amigos foram chegando, um chamando o outro”, conta.

Chegaram a formar grupos de 15 pessoas a se exercitar. Neste ano, porém, a pandemia remodelou e delimitou as caminhadas compartilhadas à 6 Insetos que, em todas as idades, aproveitam o combo saúde de Vitamina D, boas conversas, risadas e um laço de amizade forte como o sol.

“Pra falar a verdade, hoje o exercício físico se tornou desculpa para reunir os amigos e comemorar o início de mais um dia a ser vivido com saúde”, conclui, antes de partir para viver o resto do dia que o aguarda.

“NA PANDEMIA, NÃO FIQUEI UM DIA EM CASA”

Luciana, à direita, e seus funcionários, durante as altas horas.

Na cozinha ou no atendimento, a Luciana marca presença há 24 anos na noite de quem quer passar a noite no quiosque de Vila Velha. A quiosqueira conta que o quiosque é um ponto de encontro de muitos frequentadores noturnos da praia. “Aparece todo tipo de gente que você possa imaginar, do brasileiro ao estrangeiro”.

O trabalho realizado com carinho traz reconhecimento aos funcionários do local. Luciana disse que a equipe recebeu recentemente presentes de um cliente holandês que trabalha embarcado no estado. Ela apresenta com orgulho o selo dado pela prefeitura que comprova a qualidade do serviço prestado. 

Animados também estavam a Andressa, o Daniel e o Carlos. Parecia que a conversa estava sendo feita com representantes de uma empresa familiar. Luciana é a que tem mais tempo de casa, além disso, ela parece ser o coração do local. “Eu não fiquei um dia em casa durante a pandemia”, disse mostrando o amor pelo quiosque.

Nesse período, a equipe fez de tudo para “passar o tempo”. De limpar o teto à lavar o calçadão. “Eu ariei tanto as panelas que machuquei minhas mãos. Colocamos até uma barraca de frutas na frente do quiosque que nem dava muito retorno, era mais diversão”, conta.

A partir do mês de novembro começa a alta temporada e o quiosque deve ficar aberto em horário integral, ou seja, não tem horário para ir para casa. Era assim durante o ano todo antes da pandemia. Em período de alta temporada, eles chegavam a reservar mesas e ligar para o cliente quando abrisse um espaço. Hoje, a preocupação se dá também com a segurança, Luciana pede que tenha mais policiamento na região, sente que está muito deserta. Mesmo com a preocupação, o grupo não deixou o carisma e o sorriso fora de cena, uma forma certa de atrair o cliente.

COM A PANDEMIA, UM NOVO TRABALHO

Carlos pedalando a entregar lanches e bebidas na região da Praia da Costa.

Com o isolamento social, o quiosque que Carlos trabalha teve uma redução grande de clientes. Entre as novas estratégias para permanecer com os clientes, o serviço delivery e de entrega foram adotados. Foi nesse momento que o Carlos, que está no quiosque há seis anos, começou a viajar pela cidade à noite em sua bicicleta.

Carlos sai da Praia da Costa e pedala para fazer entregas aos clientes no raio de até cinco quilômetros do quiosque, mais especificamente até o Centro de Vila Velha. O entregador conta que alguns clientes já pediram o serviço dez, quinze vezes e mesmo quando não estão disponíveis nos aplicativos de entrega, recebem ligações para atendimento domiciliar. “A gente faz o trabalho para fidelizar o cliente”, explica.

Os fregueses tinham medo de circular pela pandemia, pela baixa movimentação noturna, ou simplesmente queriam aproveitar a comodidade do serviço. Por conta disso, o trabalho varia de horário para finalizar e às vezes a escala termina no meio da madrugada, ou até quando o dia amanhece. 

“Sua segurança é nossa profissão”

Taiani e Leandro durante a jornada noturna.

É final de semana quando Leandro e Taiani chegam a uma boate de Vitória prontos para garantir a segurança de quem usa a noite para se divertir. Eles são vigilantes: enquanto a maioria da cidade dorme, o trabalho deles é se manter alerta. “Sua segurança, nossa profissão!”, dizem entusiasmados, com a certeza de que seu trabalho é, além de tudo, um serviço essencial.

Leandro Duarte é mineiro de Nanuque e escolheu a Capital para morar após surgir uma oportunidade profissional por essas bandas. Durante o dia, trabalha em um hospital em Vila Velha também como vigilante. Ele conta que, para seguir essa rotina, tem que virar uma chave mental muito importante para agir perante o público de cada local. Enquanto, durante o dia, lida com pessoas em situação de urgência, nervosas e prestes a explodir, na noite é o oposto: elas estão ali para se divertir. “Isso faz com que o público da boate aceite melhor as recomendações de segurança, enquanto no hospital qualquer faísca de desentendimento pode se tornar um grande fogo”, conta o rapaz de 24 anos.

Taiani Santos, 25 anos, vigilante e mãe de menina, assim como Leandro tem no trabalho da noite o complemento das obrigações do dia. Como é mulher, faz um recorte de gênero imprescindível ao falar sobre o trabalho noturno. “Saio de casa preparada para tudo e acho que todas as mulheres deveriam fazer o mesmo. Saber técnicas de autodefesa e como usar certos aparatos, como o spray de pimenta, é uma maneira de evitar perigos que podem aparecer quando tem menos gente na rua. Medo todo mundo tem, mas não podemos nos privar de viver”, explica, como quem faz um apelo de amiga.

Sobre sua própria diversão, Leandro diz que encontra nos estudos alívio para a rotina corrida, com a certeza de que essa é sua catapulta para alçar os sonhos do futuro. Taiani também consegue achar nas 24h que compõem o dia tempo para estudar, mas comemora as folgas porque é quando pode se dedicar exclusivamente à Manu, sua filha de 6 anos.

JORNADA DUPLA

Renan, 29 anos, técnico em mecânica e motorista de aplicativo

Já é quase hora de dormir quando Renan sai de Monte Belo, bairro em que mora na capital, sem destino certo em mente. De viagem em viagem, que faz pelo famoso aplicativo de corridas, garante o complemento do sustento de sua família. Além de marido e pai, é técnico de mecânica durante o dia. Com as ruas mais vazias, as corridas são mais curtas e tranquilas, e ele conta que consegue curtir as curvas da cidade entre chegadas e partidas.

Aos 29, sua rotina dupla já é realidade há anos: antes de motorista, trabalhava no mesmo horário como motoboy. O tom de sua voz, animada ao descrever a ocupação atual como mais confortável e segura, se torna bem mais sóbria quando comenta sobre a rotina dos finais de semana.

“Infelizmente, nos finais de semana, quando tem mais movimento e dá pra faturar mais, tem muitos bêbados chatos. Às vezes eles são até engraçados e divertidos, mas muitos perdem a noção e passam do limite. O motorista precisa do passageiro e vice-versa, gentileza gera gentileza. Às vezes me vejo obrigado a não atender algumas chamadas para me precaver”, conta Renan, cuja hora de chegar em casa depende, justamente, da demanda dos passageiros.

NUNCA FOI ASSALTADO

José Carlos - farmácia
José Carlos durante o turno da madrugada.

Separados por uma porta de vidro, José Carlos Santos de Santana conta que, há 10 anos, passa suas noites dentro da farmácia. Para ele, a jornada é boa, pois possibilita aproveitar o dia fazendo o que quiser. Dia sim e dia não, o vendedor de 48 anos já se acostumou com a rotina de organizar a loja e atender os clientes da farmácia 24 horas localizada no Centro de Vila Velha.

“Quando o relógio marca as 21 horas, eu fecho a porta e atendo os clientes por essa janelinha de vidro “Como o fluxo é baixo, eu não acho o serviço cansativo. Mas, se deixar, quase durmo o dia inteiro até a hora de ir trabalhar”, brinca o vendedor.

Por volta da meia-noite, foi possível observar o quanto a região é escura e deserta. Ainda assim, José Carlos garante que nunca passou por nenhum incidente como assaltos ou qualquer tipo de violência.

PREFERE O DIA

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Lucas Fonseca, 30 anos, durante o plantão noturno no Porto de Vila Velha.

“Não ser castigado com a exposição prolongada ao sol, temperaturas amenas e a linda vista do nascer do sol” são algumas das vantagens de se trabalhar durante a madrugada, segundo Lucas Fonseca, auxiliar de inspeções de área portuária, em Vila Velha. Dependendo da escala, trabalha da meia-noite às 8 da manhã. “Também gosto de ter o dia livre para resolver as minhas coisas, quando sobra disposição, e o adicional noturno ajuda a complementar a renda”, completa o jovem de 30 anos.

Apesar dos benefícios apontados por ele, prefere quando a sua escala, que não tem uma norma fixa, muda para o turno diurno. “Na madrugada, parece que o tempo demora mais a passar, minha ansiedade aumenta e acabo comendo mais do que deveria”, o que afeta a sua dieta e o sono, justifica o rapaz. “Não consigo dormir durante o dia com a mesma qualidade. O calor e os ruídos me atrapalham e, por consequência, me sinto mais cansado ao voltar ao trabalho”. 

Lucas também sente que tem menos disposição para participar das programações com amigos e familiares e, ainda, sente dificuldade de se exercitar sempre no mesmo horário. 

Das situações curiosas da madrugada, Lucas diz que, no caminho para o  trabalho, costuma se deparar com muitas cenas de sexo na rua, dentro e fora dos carros. “Outra coisa que vejo muito é que todo mundo parece zumbi, qualquer tempo livre vira uma oportunidade para cochilar, até mesmo sentado”, brinca.

SEM VIDA SOCIAL

Por trás do balcão da recepção de um hotel 4 estrelas, na Praia da Costa, em Vila Velha, o auditor noturno Maykon Martins compartilha que os últimos 13 anos de sua vida foram marcados pelos desencontros com a família e amigos: quando a maioria das pessoas está chegando do trabalho, ele está saindo de casa.

A rotina agitada das 19 horas às 7 da manhã até rendem boas experiências, como por exemplo servir clientes vindos de outros países. “Acho muito curioso observar os costumes dos estrangeiros, cada um com sua cultura e diferenças. Por exemplo, os indianos têm um cardápio próprio, não comem qualquer coisa e não bebem água engarrafada”, conta. Dia sim e dia não, a primeira tarefa de Maykon é realizar a higienização dos ambientes e dos materiais de trabalho, o que leva três horas, aproximadamente; Depois, inicia os atendimentos aos hóspedes e só por volta das 2 da manhã é que consegue fazer uma pequena pausa.

O funcionário lamenta que sempre fica de fora dos eventos e feriados com a família, mas já se conformou. “Em um dia a gente chega cansado, e no outro precisa dormir para ir trabalhar. No início, a troca de rotina foi muito difícil, mas depois acabei me adaptando”. Indagado sobre como é a experiência de amanhecer todos os dias com uma vista de frente para a praia, Maykon afirma que a correria e o cansaço acabam apagando o brilho do nascimento do sol sobre o mar.

O nascer do sol na Praia da Costa anuncia um novo dia. Crédito: Insetos da Madrugada.

Esta matéria foi escrita por alunos do 23° Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. A atividade foi desenvolvida em releitura a reportagem “A cidade que não dorme” publicada no jornal A Gazeta em 1° de novembro de 2009, assinada pela jornalista Vilmara Fernandes. 

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