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Na Ilha de Vitória, população espera saída rumo ao aquaviário

Desde o fim desse modal, em 1998, moradores sofrem com dependência do ônibus e promessas que não saem do papel. Confira na segunda reportagem da série Eleições Fora da Bolha, feita pelos residentes em jornalismo da Rede Gazeta

Por Karolyne Bertordo, Lorraine Paixão e Rafael Carelli

Imagine morar em uma cidade com extensa faixa litorânea, calçadão com ciclovia, condições naturais que facilitariam um passeio pelo mar no trajeto casa-trabalho, mas, ainda assim, se ver refém dos ônibus como única opção de transporte coletivo. Seria um desperdício, não? Essa é uma pergunta que os moradores de Vitória também se fazem.

Desde o fim do aquaviário, em 1998, são frequentes as promessas envolvendo a criação de alternativas como o metrô de superfície, o trem urbano, o corredor exclusivo para ônibus e a volta do próprio aquaviário. Nenhuma delas, até agora, saiu do papel. A insatisfação com o tema fica clara quando os moradores de Vitória colocam o transporte coletivo como um dos três maiores problemas da cidade.

De acordo com a pesquisa Ibope realizada entre os dias 11 e 12 de outubro de 2020, o transporte coletivo perde apenas para a segurança pública e a saúde no ranking de desafios da Capital. Ele foi mencionado como prioridade por 36% dos eleitores com renda familiar entre dois e cinco salários mínimos e por 25% dos entrevistados pelo Ibope entre quem recebe até um salário mínimo, ou seja, é um problema em diferentes faixas de renda e também em diversas regiões da cidade.

Moradores da Capital ainda aguardam a integração da linha municipal com o sistema Transcol. Crédito: Fernando Madeira

Na Grande São Pedro, região situada na baía noroeste da Capital, a renda per capita dos cerca de 33 mil moradores é de R$ 1.592,32, faixa que representa 27% dos que elencam o transporte público como problemático em Vitória. O cozinheiro Eberton Loyola dos Santos, 38 anos, relata que parou de utilizar os ônibus pela insatisfação com o serviço.

Segundo ele, a demora na chegada dos coletivos também desanima. Por isso, o cozinheiro, que perdeu o emprego por causa da pandemia do novo coronavírus, passou se locomover de bicicleta. Loyola conta que não fez seu cartão obrigatório para utilizar os ônibus em forma de protesto pelos amigos cobradores que perderam o emprego. “Fiquei muito triste de ver quatro colegas, pais de família, passando necessidades”, desabafa.

HORÁRIO DE PICO, TRÂNSITO AGARRADO

O administrador Wadson Amorim, 28 anos, diz que a Grande São Pedro dispõe de opções de ônibus para todas as regiões de Vitória, no entanto, reclama que no horário de pico, quando a população entra ou sai do trabalho e da escola, a experiência de ficar dentro do ônibus lotado, agarrado no trânsito, torna-se frustrante.

“Isso faz que a aceitação e a avaliação do transporte público seja muito ruim. O único lado bom é o aplicativo para acompanhar os horários, um grande facilitador”, destaca.

Sobre outras alternativas de transporte, Amorim aponta como positiva a existência de ciclovias ao longo da Rodovia Serafim Derenzi, que corta toda a região. Apesar de a bicicleta não ser seu principal meio de locomoção, ele vê muita gente utilizando as ciclovias.

Nova ciclovia da Leitão da Silva. Crédito: Esthefany Mesquita

Ainda assim, o jovem acredita que a Capital pode ir além. “Vejo o retorno do aquaviário como uma ótima solução. Reduziria bastante o tempo de viagem entre Vitória e outro município. A travessia pelo mar chega a ser agradável por conta da cidade ser litorânea, além de um alento para o calor. Chega a ser turístico também, pois é algo que temos a explorar muito aqui. Até hoje não sei o real motivo de não termos mais esse meio de transporte.”

Em nota, a Secretaria de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana de Vitória (Setran) explica que “os usuários devem atualizar o aplicativo Ponto Vitória para acessar as tabelas onde constam os pontos e o roteiro”.

Sobre os cobradores, a Setran informa que “a suspensão temporária dos contratos de trabalho dos cobradores pelas empresas em razão da pandemia respeita o disposto na Lei Federal nº 14.020, de julho de 2020” e reiterou que “o afastamento dos cobradores foi acordado com o Sindicato dos Rodoviários e também com o Sindicato das Empresas de Transporte”.

MESMA CIDADE, DUAS REALIDADES

De São Pedro a Jardim Camburi, o bairro mais populoso do Espírito Santo, com cerca de 39 mil habitantes, a distância não se mede apenas na quilometragem. Tradicional região de classe média da Capital capixaba, Jardim Camburi tem renda per capita média de R$ 5.469,04, de acordo com o Censo de 2010. O uso de veículos próprios e da malha cicloviária que atende a região são opções de muitos moradores.

Aloísio Muruce, presidente da ACJAC. Crédito: Karolyne Bertordo

Na opinião do presidente da Associação Comunitária de Jardim Camburi (Ajac), Aloísio Muruce, 67 anos, sendo um bairro de classe média, o sistema de transporte coletivo atende bem a região, mas grande parte dos moradores opta por veículo particular. “Para incentivar o uso do ônibus, é preciso investir em conforto e mais segurança”, opina.

Muruce também ressalta que a bicicleta é bastante utilizada, já que a região possui ciclovias que ligam o bairro ao restante da cidade. Ele conta que duas das prioridades de Jardim Camburi, em relação à mobilidade, são a ampliação das ciclofaixas e reforço na sinalização de faixas compartilhadas.

O universitário Eduardo Castanheira, 20 anos, considera tranquilo circular dentro de Jardim Camburi, em qualquer horário. Mas aponta gargalos na avenida Norte Sul e no final da orla de Camburi, em direção ao Bairro de Fátima. “Pais de alunos e vans escolares causam tumulto nos horários de entrada e saída, seria bom que a Guarda Municipal coordenasse isso em favor dos demais moradores do bairro”, aponta.

Castanheira acredita também que a superlotação, por estudantes, das linhas 121 e 161, também é um problema que deve ser solucionado. “É preciso reforçar com mais veículos essas linhas no retorno presencial das aulas”, ressalta. Sobre as ciclovias, o universitário acha que há muito para melhorar, já que, segundo ele, elas “acabam do nada e não estão por todo o bairro”.

SOBRECARGA E BIKE VITÓRIA

Para o analista de e-commerce Maycon de Souza, 29 anos, o transporte coletivo é um dos pontos complicados de Jardim Camburi. Apesar de achar que o Ponto Vitória, aplicativo que informa horários e itinerários dos ônibus, ajude bastante, afirma que a quantidade de ônibus circulando deixa a desejar.

“Em horários de ida e volta ao trabalho é normal pegar ônibus lotados já aqui dentro do bairro. Por exemplo, as linhas 103, 121 e 211 andam bem cheias das 7h às 9h. Aos finais de semana, é ainda mais difícil. Acho que, nesse quesito, a prefeitura poderia pensar em trabalhar melhor a disponibilidade de carros”, diz.

Bike Vitória. Crédito: Guilherme Ferrari – GZ

Souza também lamenta a quantidade de estações do projeto Bike Vitória, de compartilhamento de bicicletas, dentro de Jardim Camburi. “Os dois postos mais próximos são no Parque Atlântica e em frente ao Hotel Canto do Sol. Como estamos falando do bairro mais populoso da Capital, acho importante que ofereçam mais alternativas de transporte”, sugere.

A Setran afirma que os ônibus em circulação no bairro são monitorados e a quantidade de carros, calculada de acordo com a demanda, reduz de forma significativa nos finais de semana. “O cumprimento de horário é fiscalizado pelo órgão, inclusive, nos finais de semana e nos feriados”, informa, por nota.

IMPACTOS NA MOBILIDADE URBANA

Os problemas específicos do transporte coletivo apontados pelos moradores têm grande interferência na mobilidade urbana como um todo, segundo o professor Ronaldo Gaudio, especialista em trânsito. “Assédios, assaltos, falta de higiene e de pontualidade… A precariedade do transporte coletivo produz mais veículos nas ruas: os próprios ou de aplicativos. Quem pensa em se locomover de bike também teme pela segurança e, ainda, pode ser afetado pela instabilidade do clima.”

Gaudio acredita no impacto positivo na mobilidade urbana que a cidade poderia ter, caso o transporte coletivo fosse prioridade para o poder público. Ele explica que a malha viária de Vitória não foi projetada a longo prazo e que não foi pensada para a quantidade de veículos que se tem hoje. “Vitória tem potencial para o modal aquaviário que não é utilizado e acaba sobrecarregando o sistema rodoviário. O transporte coletivo acaba pagando toda essa conta.”

A malha viária da Capital não suporta a quantidade atual de carros em circulação. Crédito: Vitor Jubini

O cicloativista Fernando Braga concorda. Para ele, que luta pela implantação de transportes alternativos na Grande Vitória há pelo menos 20 anos, há um interesse do poder público no sistema rodoviário. Mas, enfatiza, “não tem rua para todo mundo e a população precisa ter essa consciência”.

“Todos os modais que são propostos não saem do papel. Eu sou da época do aquaviário, que vive na promessa dos políticos de voltar. Agora, começamos a ver melhorias na malha cicloviária de Vitória, fruto de muita luta. Ainda não está como precisa, mas já é alguma coisa”, aponta.

Sobre o prometido retorno do aquaviário, a Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi) do Governo do Estado informou, por meio de nota, que a volta da operação do modal é uma das prioridades da secretaria e que está preparando o edital para contratar a execução das obras.

Segundo a Semobi, os projetos dos píeres do aquaviário estão em fase de finalização. O novo sistema vai operar inicialmente com quatro estações: Prainha – Vila Velha, Centro e Enseada do Suá – Vitória, Porto de Santana – Cariacica; e, ainda de acordo com a nota, será integrado ao sistema de transporte coletivo (Transcol).


Projeto Eleições Fora da Bolha tira residentes da zona de conforto

Esta reportagem faz parte do projeto Eleições Fora da Bolha, realizado pelos residentes do 23º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, com a coordenação da jornalista Ana Laura Nahas.

Os alunos foram desafiados a cobrir as eleições em regiões com características opostas aos seus bairros de origem. Lorraine Paixão mora em Central Carapina, na Serra; Karolyne Bertordo, em Vila Garrido, Vila Velha; e Rafael Carelli, no bairro Belvedere, em Belo Horizonte. Assim, com a missão de saírem de suas “bolhas”, eles foram até a Ilha do Frade, Jardim Camburi e São Pedro.

As pautas foram criadas a partir dos 3 principais problemas de cada município relatados pelo Ibope em uma série de pesquisas realizadas em outubro na Grande Vitória.


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