Morre, aos 85 anos, Cariê Lindenberg

Empresário, músico e escritor comandou a Rede Gazeta por quatro décadas e deixou legado para a comunicação do Espírito Santo

Por Caroline Mauri - atualizado em 06/04/2021 as 14:30

“Vejo a vida como uma rosa. Eu posso ver os espinhos e achar que ela é uma porcaria, ou achar que os espinhos são um componente à parte. Prefiro sempre ver o lado mais agradável”. A frase, dita há quase 20 anos pelo empresário Cariê Lindenberg, resume bem a forma leve com que ele sempre preferiu viver. Sem negar os percalços e dores de uma vida inteira, ele caminhou pelo meio empresarial, pela boemia dos tempos da bossa-nova no Rio de Janeiro, pela literatura e pelo amor pela simplicidade. E, com a singeleza de uma rosa – que pode ser bonita, mesmo tendo espinhos -, despediu-se da vida nesta terça-feira (06), aos 85 anos.

Responsável pelo surgimento da maior rede de comunicação do Espírito Santo, fundador da TV Gazeta e do site Gazeta Online – hoje A Gazeta -, o empresário e presidente do Conselho de Administração da Rede Gazeta faleceu em Vitória em decorrência de complicações decorrentes de uma pneumonia.

Cariê Lindenberg, em entrevista para A Gazeta em 2019 (Foto: Ricardo Medeiros)

Cariê Lindenberg deixa três filhos: Carlos Fernando (Café), Letícia e Beatriz; e cinco netos – Eduardo, Mariana, Carlos Fernando, Carolina e Antônio. Apaixonado pelo campo, ele tinha na Fazenda Três Marias, em Linhares, uma de suas paixões. Nos últimos anos, ele se dividia entre a leitura e a música em sua residência na Ilha do Frade. Desde o começo da pandemia da Covid-19, permaneceu em isolamento social, recebendo apenas a visita dos filhos.

Ao longo de seus 85 anos, Cariê sempre foi um ferrenho defensor do jornalismo e da liberdade de expressão. Músico e escritor, ele esteve à frente da Rede Gazeta entre os anos de 1965 e 2001. A bem da verdade, pode-se dizer que sua vida confunde-se também com a história da comunicação no Espírito Santo.

Foi por sua atuação na área que o Grupo Globo estabeleceu-se no Estado, tendo a TV Gazeta como afiliada, e depois os negócios se expandiram, com a criação de rádios, do site e das emissoras regionais sediadas em Cachoeiro de Itapemirim, Linhares e Colatina.

Em 2018, por ocasião do aniversário de 90 anos da empresa, o presidente do Conselho de Administração da empresa revelou sempre ter sido um apaixonado pelo ambiente da Redação: “Minha tarefa não era lá, mas meu cacoete era ficar lá. Se não inteiramente na Redação, com os caras que eram os editores, diretores. Eu tinha, graças a Deus, excelente trânsito. Porque também era econômico em pedir as coisas, eu nunca mandei. Sempre propus para discutir alguma coisa que fosse boa”, relembrou, à época.

Cariê entrou para o mundo empresarial “por sorte” – como ele mesmo definiu em sua primeira obra literária, “Eu e a sorte”, lançado em 2001. Sem qualquer experiência ou formação em administração, fez a fazenda da família, em Linhares, dobrar de tamanho, embora não tenha lhe dado lucro. Sob sua gestão, o jornal A Gazeta, que havia sido comprado por seu pai, o ex-governador Carlos Lindenberg, para apoiar o PSD e tinha apenas 38 funcionários, ganhou perfil imparcial e desvinculado de partidos políticos.

Cariê Lindenberg (Foto: Valter Monteiro)

Sem vínculo político
Filho do ex-governador Carlos Lindenberg, que comandou o Espírito Santo por dois períodos (1947-1951 e 1959-1962), Cariê não quis ingressar na vida política. Na última passagem do pai pelo Palácio Anchieta, ele chegou a ser convidado a assumir uma cadeira no secretariado, após colaborar ativamente com a campanha, mas declinou da ideia. “Disse ao papai: não tenho conhecimento necessário para fazer-te uma boa companhia; vou continuar no meu carguinho. Mas é preciso você manter a (minha) mesada, porque não vou ficar com essa pobreza”, contou, em 2019, com seu característico bom humor.

Cariê foi um dos responsáveis pelo processo “de forma lenta, real e gradativa” que separou A Gazeta de vínculos políticos, na década de 1960, fato do qual ele sempre manifestou orgulho. “Houve a possibilidade de a gente caminhar para a isenção e a ponderação das verdades. É uma marca de A Gazeta. Vi isso em vários jornais importantes do Brasil e do mundo e também nos livros sobre ética jornalística. Absorvi isso com muita naturalidade”, pontuou, certa vez.

Em sua última entrevista, concedida ao jornalista Abdo Chequer em setembro de 2019, Cariê deixou uma reflexão que pode servir de diretriz para muitas gerações, mesmo aquelas que não o conheceram: “No jornalismo não cabe favor. Nem favor a favor e nem favor contra. O jornalismo tem que ser isento, tem que ser a transparência do que ocorre com a sociedade a que ele serve”.

Cariê com os filhos Beatriz, Café e Leticia, e a ex-esposa Maria Alice no lançamento de seu último livro “Vou te contar” (Foto: Vitor Jubini)

Após lançar seu último livro, “Vou te contar”, Cariê resumiu sua trajetória: “Eu encontrei a vida na Gazeta e larguei todo o resto que eu fazia. Talvez um terço ou mais das histórias do livro sejam vinculadas à Gazeta porque foi a coisa mais importante da minha vida”.

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